UNIDADE
3 – AULA 4
Medidas de Prevenção e Controle de
Infecção
Classificação de artigos de acordo com a carga
microbiana
A classificação dos artigos proposta por
Earle Spaulding (1968) e amplamente adotada em recomendações como a Resolução
nº 15 do Ministério da Saúde divide esses materiais em artigos críticos,
semicríticos e não críticos, levando em consideração seu potencial de
transmissão de microrganismos. Eles são assim classificados:
·
Objetos
críticos: são aqueles que têm contato direto com a corrente sanguínea ou outras
áreas estéreis do corpo, como instrumentos cirúrgicos, cateteres, agulhas e
implantes. Esses materiais devem obrigatoriamente passar pelo processo de
esterilização;
·
Objetos
semicríticos: são aqueles que têm contato com mucosas íntegras, sem perfuração
na pele, como endoscópios e tubos endotraqueais. Esses materiais devem ser
esterilizados ou passar por uma desinfecção rigorosa;
·
Objetos
não críticos: são aqueles que não entram em contato com o paciente ou têm
apenas contato com a pele íntegra, como garrotes para coleta de sangue e
mobília. Materiais não críticos podem ser higienizados e desinfetados usando
soluções germicidas intermediárias ou apenas água e sabão.
Controle de Infecção
Para falar de controle de infecção,
vários conceitos são importantes, tais como:
Antissepsia é o processo de eliminação
dos microrganismos presentes na microbiota residente e transitória dos tecidos
vivos. Um método comum de antissepsia é a higienização das mãos, que deve ser
realizada em cinco momentos: antes do contato com o cliente, antes de
procedimentos invasivos ou ao colocar luvas, após exposição a fluidos corporais
ou ao retirar luvas, após o contato com o cliente e após tocar áreas próximas
ao cliente. A escolha do antisséptico deve ser baseada em sua eficácia
germicida e sua capacidade de não irritar a pele ou mucosas. Álcoois,
clorexidina e iodos são escolhas frequentes, sendo o álcool e a clorexidina os
mais usados.
Nesse contexto, os antissépticos são
formulados para serem hipoalergênicos e apresentarem baixa agressividade. Essas
soluções são capazes de destruir ou inibir o crescimento de microrganismos
presentes na pele e mucosas, desempenhando um papel essencial na manutenção da
assepsia e na prevenção de infecções.
A assepsia é o conjunto de medidas
adotadas para prevenir a entrada de microrganismos em ambientes que, por sua
natureza, deveriam ser livres desses agentes, caracterizando um ambiente
asséptico, ou seja, isento ou com baixo risco de infecções. Exemplo: higienização
das mãos somado ao uso de equipamentos de proteção individual como o uso de
luvas, avental, gorro, máscara, propés, abrir corretamente os materiais para
que não sejam contaminados, entre outros. Este conjunto de medidas é muito
utilizado em procedimentos invasivos.
Já a desinfecção envolve a eliminação e
destruição de microrganismos que não se apresentam na forma esporulada em
superfícies e objetos inanimados. Pode ser realizada por agentes físicos e
químicos, conhecidos como desinfetantes ou germicidas. Fatores como limpeza
prévia do material, tempo de exposição ao desinfetante, concentração do agente,
temperatura e pH são cruciais para o sucesso do processo.
Álcoois etílico e isopropílico,
hipoclorito de sódio e peróxido de hidrogênio são desinfetantes comuns.
O processo de desinfecção é responsável
pela eliminação dos microrganismos patogênicos e/ou inativação de suas toxinas,
podendo também inibir o seu desenvolvimento. Entretanto, os esporos não são
necessariamente eliminados neste processo (TOMEDI; ALBANESI, 2018). Ele é
dividido em três categorias de eficácia: alta, intermediária e baixa.
·
Desinfecção
de alto nível: capaz de eliminar todos os microrganismos, exceto alguns esporos
bacterianos;
·
Desinfecção
de nível intermediário: o bacilo da tuberculose e as bactérias em sua forma
vegetativa são inativados, assim como a maioria dos vírus e fungos, excluindo
os esporos bacterianos;
·
Desinfecção
de baixo nível: consegue eliminar a maioria das bactérias, alguns vírus e
fungos, com exceção de microrganismos resistentes, esporos e micobactérias como
o bacilo da tuberculose (HINRICHSEN; FERREIRA, 2013).
A esterilização é o procedimento no qual
todas as formas de vida microbiana, incluindo bactérias nas formas vegetativas
e esporuladas, são destruídas ou eliminadas. No Brasil, métodos físicos e
físico-químicos gasosos são os únicos permitidos para esterilizar Produtos para
a Saúde (PPS) críticos. A esterilização química manual por imersão (conforme
BRASIL, 2009) e pelo calor seco (conforme BRASIL, 2012) foi proibida devido ao
risco elevado de falhas humanas, como uso inadequado do agente esterilizante e
falta de controle e monitoramento adequados, respectivamente (SECRETARIA DE
SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL, 2020).
Métodos físicos de
esterilização
Os métodos físicos de esterilização
envolvem o uso do calor em diversas temperaturas e certos tipos de radiação.
Para esse propósito, as autoclaves são amplamente recomendadas em ambientes
hospitalares.
1. Vapor saturado sob pressão:
principalmente empregado em hospitais para esterilizar materiais
termorresistentes, esse método coagula as proteínas dos microrganismos,
resultando em sua destruição. Embora seja eficaz para materiais resistentes ao
calor, não é adequado para itens sensíveis a altas temperaturas.
2. Calor seco: utilizado em estufas,
esse processo gera calor irradiando pelas laterais, oxidando as células
microbianas e levando à sua morte. No entanto, não é adequado para materiais
como borracha, aço ou tecido devido à exposição prolongada a altas temperaturas. É
aplicado em laboratórios, não em ambientes hospitalares.
3. Radiação ionizante: esse método
danifica o DNA dos microrganismos ou impede sua reprodução. A radiação gama é a
mais utilizada devido à sua capacidade de penetrar eficientemente no material a
ser esterilizado. Recomendado para materiais termossensíveis e tecidos
biológicos, comumente usados em transplantes, embora sua desvantagem seja seu
caráter altamente oxidante. Uso restrito.
A autoclave é um instrumento que utiliza
vapor saturado, equivalente à temperatura de ebulição da água sob pressão. Ela
é o método preferencial devido a sua boa capacidade de difusão nos materiais. A
esterilização pelo calor seco foi proibida pela RDC nº 15/2012.
Todos os produtos de saúde que tenham
entrado em contato com fluidos corporais, sangue e tecidos devem ser
armazenados em recipientes resistentes a rasgos e hermeticamente fechados
durante o transporte, a fim de evitar a contaminação do ambiente e dos profissionais.
Além disso, é essencial que todos os
produtos de saúde a serem desinfetados ou esterilizados passem por uma limpeza
adequada para remover todo material orgânico ou outros resíduos. A limpeza é
fundamental para a eficácia dos processos de esterilização e desinfecção, pois
sujidades podem impedir que o agente desinfetante ou esterilizante entre em
contato com o artigo, dificultando o processo. Assim, produtos de saúde que não
podem ser adequadamente limpos não devem ser processados no Centro de Materiais
e Esterilização (CME).
Além disso, para garantir o sucesso do
processo de esterilização por calor úmido, é crucial que o vapor de água entre
em contato com todas as superfícies dos objetos. Quando o vapor entra em
contato com as superfícies frias dos objetos, ele se condensa, liberando calor
latente. Na autoclave, é aconselhável evitar o contato direto entre embalagens
de papel e tecido para evitar a retenção de umidade. Portanto, quando esses
materiais são processados juntos, devem ser dispostos em prateleiras separadas
da autoclave, sempre na posição vertical e sem sobreposição, para permitir uma
exaustão eficaz e uma circulação adequada do ar (Figura 1). Além disso, as
embalagens não devem tocar as paredes internas da câmara e a carga não deve
ultrapassar 70% da capacidade interna da autoclave.
Esse calor umedece e aquece os
materiais, enquanto a desnaturação das proteínas ocorre ao entrar em contato
com os microrganismos, levando à sua destruição.
Desnaturação é a perda da forma tridimensional de
uma proteína. Neste processo, as proteínas são expostas às condições
diferentes àquelas em que foram produzidas. Técnicas de engenharia genética e
biologia molecular utilizam deste processo para fazer o sequenciamento de
enormes sequências proteicas. KAMEI, M. C. Biologia e Bioquímica Humana. Maringá:
Unicesumar, 2018. |
Outra técnica empregada é a
esterilização pelo calor seco, realizada por um dispositivo chamado forno de
Pasteur (Figura 2), popularmente conhecido como estufa. Nesse método, a
esterilização ocorre devido ao aquecimento e à irradiação do calor. No entanto,
em comparação com o vapor saturado, o calor seco tem menor capacidade de
penetração, o que requer exposição a temperaturas mais altas (entre 120 e
180ºC) por um período prolongado. Entretanto, de acordo com a RDC nº 15/2012 da
Anvisa, o método de esterilização de produtos para saúde por calor seco,
realizado por meio de estufas, está proibido (SOBECC, 2017).
Métodos
físico-químicos de esterilização
Na categoria de métodos físico-químicos
de esterilização, destacam-se o uso de óxido de etileno e plasma de peróxido de
hidrogênio. O primeiro é regulamentado pela Anvisa e amplamente empregado em
ambientes hospitalares devido a sua não corrosividade. O Óxido de Etileno é um
gás penetrante, ideal para materiais termossensíveis, o qual pode ser utilizado
enquanto os produtos ainda estão em suas embalagens originais, sendo
implementado por empresas especializadas.
Já o peróxido de hidrogênio é indicado
para itens termossensíveis e tem um processo de esterilização que dura
aproximadamente uma hora. Pode ser aplicado em polímeros, alguns metais, vidros
e borrachas, sendo menos complexo que o óxido de etileno, resultando em
processos mais rápidos e não tóxicos. Contudo, devido à sua natureza corrosiva,
requer cuidados no manuseio e tem câmaras de esterilização de tamanho reduzido,
limitando sua aplicação. É desaconselhado para esterilizar alguns produtos com
materiais específicos.
Qualidade
no processo de esterilização
Assegurar a qualidade do processo de
esterilização depende da execução adequada de cada etapa no reprocessamento dos
materiais. A presença de microrganismos nos artigos está diretamente ligada a
falhas humanas na limpeza e preparo do material, bem como a falhas mecânicas
decorrentes da falta de manutenção e defeitos na autoclave.
No caso do reprocessamento por
autoclave, utilizam-se processos químicos e biológicos, enquanto na estufa, são
usados apenas indicadores químicos. Destacamos o uso de fitas termossensíveis
(Figura 3), que reagem quimicamente durante a esterilização, facilitando a
identificação dos materiais que foram reprocessados ou não.
Além disso, existem indicadores químicos
que avaliam parâmetros como vapor, temperatura e pressão, sendo empregados
apenas em autoclaves. Outra ferramenta são os indicadores biológicos, testes
contidos em ampolas plásticas com tampa permeável ao vapor, compostas por uma
fita impregnada com uma população conhecida de endósporos, estes endósporos
estão separados do meio nutriente (líquido roxo) por uma ampola de vidro. Os
endósporos empregados pertencem à espécie Geobacillus
stearothermophilus, sendo altamente resistentes ao calor úmido e não patogênicos.
Eles são usados como um desafio, pois uma vez que são eliminados, todos os
outros endósporos e formas vegetativas também serão. É importante ressaltar que
os indicadores químicos e biológicos devem ser colocados em locais
estratégicos, geralmente entre as embalagens e no centro da autoclave, para
avaliar a eficácia da ação biocida do equipamento.
A classificação de Spaulding categoriza
os artigos/produtos da seguinte forma:
Críticos: são aqueles que entram em
contato com tecidos estéreis ou o sistema vascular, apresentando alto risco de
contaminação.
Semicríticos: são aqueles que entram em
contato com membranas, mucosas não lesadas e pele não intacta.
Não críticos: são aqueles que entram em
contato com a pele íntegra.
Portanto, artigos como termômetros são
considerados não críticos, enquanto bisturis são classificados como críticos.
Quanto aos processos de limpeza, desinfecção e esterilização, essas categorias
orientam as práticas apropriadas para cada tipo de artigo, conforme Tabela 2:
Classificação |
Processo indicado |
Artigo |
Crítico |
Esterilização |
• Materiais cirúrgicos • Agulhas, escalpes, cateteres,
intravasculares • Próteses/cateteres cardíacos • Laparoscópios/artroscópios • Materiais de implante |
Semicrítico |
Desinfecção de alto nível/desinfecção
de nível médio ou esterilização (avaliando cada artigo) |
• Broncoscópios, colonoscópios,
endoscópios • Tubos endotraqueais • Circuito de terapia respiratória |
Não crítico |
Desinfecção de baixo nível/limpeza
(avaliando cada artigo) |
•
Estereoscópios/otoscópios/eletrocardiógrafos/muletas • Utensílio de refeições • Roupas • Termômetros |
Tabela 2 | Produtos para a saúde e
processos de desinfecção e esterilização. Fonte: Adaptado de Hinrichsen;
Ferreira (2013).
Procedimento Operacional Padrão
(POP)
A prevenção da transmissão de infecções
está intrinsecamente ligada às práticas adequadas de limpeza, desinfecção e
esterilização de materiais, destacando a necessidade de conhecimento técnico e
implementação de rotinas específicas. A esterilização, realizada pelo Centro de
Materiais e Esterilização (CME), é crucial para eliminar microrganismos e
esporos, sendo sua eficácia dependente da limpeza minuciosa do material. Cada
fase do processo de esterilização deve seguir normas e parâmetros rigorosos,
descritos em um Procedimento Operacional Padrão (POP) elaborado individualmente
em cada instituição pelo responsável do CME, com apoio da equipe de controle de
infecções, assegurando a eficácia do procedimento.
Para ver o exemplo de um POP, sugerimos
que acesse o PDF Central de material e manutenção.
Desinfecção e esterilização
Para saber mais sobre os processos de
desinfecção e esterilização, bem como a classificação de artigos segundo o
risco biológico, sugerimos a seguinte leitura:
Esterilização e Desinfecção de
Instrumental Cirúrgico e Outros Produtos para a Saúde. Disponível em: Minha
Biblioteca.
Instrumentos cirúrgicos
Você já parou para pensar na
complexidade de uma cirurgia? Além disso, refletiu sobre a necessidade de os
instrumentos cirúrgicos serem estéreis? Relacionado a esta temática, o artigo
intitulado “Centro de materiais e esterilização:
rastreamento da limpeza automatizada nas cânulas de lipoaspiração” examinou a eficácia da limpeza
automatizada de cânulas de aspiração de 4 mm utilizando uma lavadora
ultrassônica. Isso foi feito por meio da avaliação da sujidade interna
utilizando um dispositivo de microscopia específico para cânulas e pelo
rastreamento de cepas viáveis de Staphylococcus aureus através
de análise microbiológica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Resolução RDC nº 91, de
28 de novembro de 2008. Proíbe o uso isolado de produtos que contenham para
formaldeído ou formaldeído, para desinfecção e esterilização, regulamenta o uso
de produtos que contenham tais substâncias em equipamentos de esterilização e
dá outras providências. Agência Nacional da Vigilância Sanitária. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 01 de dezembro de 2008.
BRASIL, Ministério da Saúde. RDC
n° 15, de 15 de março de 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0015_15_03_2012.html. Acesso em: 13 set. 2018.
HINRICHSEN, S. L.; FERREIRA, N. S.
Esterilização e Desinfecção de Instrumental Cirúrgico e Outros Produtos para a
Saúde. In: Biossegurança e controle de infecções: Risco
sanitário hospitalar. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE Protocolo: Central de Material e
Esterilização (CME). 2023. Disponível em: https://www2.bauru.sp.gov.br/arquivos/arquivos_site/sec_saude/protocolos_saude/Central_de_Material_e_Esteriliza%C3%A7%C3%A3o/Procedimentos_Operacionais_Padr%C3%A3o_-_POPs.pdf . Acesso em: 4 nov. 2023.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Sala
de preparo e esterilização de produtos para a saúde e Métodos de monitoramento
da esterilização. 2021. Disponível em: https://sai4.pelotas.com.br/arquivos/1f8c7d13f817f6ad23839dfa572d73e7.pdf. Acesso em: 17 jan. 2024.
SANTOS,
R. K. et al. Centro
de materiais e esterilização: rastreamento da limpeza automatizada nas cânulas
de lipoaspiração, Rev. Gaúcha Enferm. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210057.pt. Acesso em: 17 jan. 2024.
SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL.
Manual de processamento de produtos para saúde. Brasília, 2020. Disponível
em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/0/Manual+de+Processamento+de+Produtos+para+Sa%C3%BAde+%281%29.pdf/99a89408-bfb1-4fc1-1097-5609026217b0?t=1674742092872. Acesso em: 6 nov. 2023.
SPAULDING,
E.H. Chemical disinfection of medical and surgical materials. In:
LAWRENCE, C, BLOCK, S. S. Desinfection, Sterization, and Preservation. Philadelphia: Lea & Febiger; 1968.
p. 517-31.
TOMEDI, D. J. G.; ALBANESE, S. P.
R. Biossegurança em centros de beleza. Londrina: Editora e
Distribuidora, 2018.
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