Unidade 1 -AULA 4
PRINCÍPIOS BIOÉTICOS
Principialismo
O
principialismo, uma das primeiras correntes na área da bioética a se
consolidar, foi profundamente moldado por eventos históricos impactantes,
incluindo o escândalo envolvendo a pesquisa com homens negros sifilíticos em
Tuskegee. Durante quatro décadas, 400 homens negros foram privados de
tratamento adequado para a sífilis, resultando na morte de pelo menos 100 deles
devido às complicações da doença. A revelação desse caso pelo New York
Times, em julho de 1972, levou à criação do Relatório Belmont em 1978. Este
relatório, elaborado pela National Commission for the Protection of
Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, estabeleceu três
princípios fundamentais para guiar pesquisas envolvendo seres humanos: respeito
pelas pessoas, beneficência e justiça (LOPES, 2014).
Outro marco
importante nesse período foi a obra seminal de Beauchamp e Childress,
"Principles of Biomedical Ethics" (Princípios de Ética Biomédica),
inicialmente publicada em 1979 e agora em sua sétima edição.
Nesse texto, o
princípio do respeito pelas pessoas foi substituído pelo princípio da
autonomia, enquanto o princípio da beneficência foi dividido em beneficência e
não maleficência. Assim, foram estabelecidos os seguintes princípios:
a) autonomia,
enfatizando a importância da decisão do paciente;
b)
beneficência e não maleficência, responsabilidades dos profissionais de saúde;
c) e justiça,
especialmente distributiva, focalizada nas instituições de saúde e na sociedade
ao abordar questões relacionadas à vida e à saúde dos seres humanos.
Com a
publicação de Beauchamp e Childress, o "principialismo" foi
consagrado como um método para a análise ética e a tomada de decisões em
Bioética (LOPES, 2014).
O que
caracteriza as abordagens principialistas é o reconhecimento de um conjunto
mínimo de normas morais centrais, que fundamentam o julgamento ético de uma
ação. Essa abordagem concentra-se nos princípios morais que orientam a ação, e
as normas morais, incluindo princípios e regras, servem como diretrizes gerais
para a ação, especificando quais ações são proibidas, exigidas ou permitidas em
circunstâncias específicas. É fundamental observar que, no principialismo, não
existe uma hierarquia predefinida entre os princípios, pois cada situação ética
deve ser avaliada considerando a inter-relação desses princípios.
Princípios
bioéticos
Você está
familiarizado com o significado e a importância dos princípios éticos nas
práticas de saúde? É importante entender que esses princípios desempenham um
papel fundamental em todas as áreas da saúde, embora sua aplicação possa variar
de uma cultura para outra. No entanto, os princípios utilizados em pesquisas
são os mesmos aplicados na prática clínica. Tanto na pesquisa quanto na
prática, os pacientes têm direitos, e os profissionais de saúde têm o dever e a
responsabilidade de protegê-los e defendê-los.
Os princípios
da bioética são:
1. Beneficência: significa fazer o bem e
evitar o mal para o paciente e a comunidade. Agir com benevolência implica
ajudar os outros a alcançar o que é bom para eles, promovendo o bem-estar e
reduzindo os riscos físicos e psicológicos. Portanto, ao escolher um tratamento
para um paciente, o profissional de saúde deve sempre reconhecer a dignidade do
indivíduo, levando em conta todas as dimensões de sua existência: física,
psicológica, social e espiritual. É fundamental oferecer ao paciente não apenas
um tratamento técnico adequado, mas também considerar suas necessidades
físicas, emocionais e sociais. Este enfoque holístico assegura o melhor cuidado
ao paciente, promovendo tanto a eficácia técnica quanto o bem-estar global da
pessoa.
2. Não maleficência: este princípio diz
respeito a não causar danos aos pacientes. Após determinar as maneiras de
praticar a beneficência, os profissionais de saúde devem aplicá-la aos
pacientes sob seus cuidados, garantindo que nenhum dano seja infligido. Um
profissional deve, primordialmente, buscar o bem-estar do seu paciente, seja
para restabelecer sua saúde, prevenir complicações ou promover seu bem-estar.
Esse princípio
é evidenciado ao evitar procedimentos invasivos em pacientes terminais,
permitindo que eles vivam seus últimos dias da maneira que desejam,
proporcionando conforto e dignidade por meio dos cuidados paliativos oferecidos
(FERREIRA JÚNIOR, 2022).
3. Justiça e equidade: o princípio da justiça
refere-se à equidade e ao tratamento adequado às necessidades individuais. Este
princípio demanda o respeito imparcial pelo direito de cada pessoa, sendo
considerado antiético qualquer decisão que prejudique um dos envolvidos, seja o
profissional ou o paciente. Para aprofundar esse conceito, frequentemente
integramos a ideia de equidade, que consiste em oferecer a cada pessoa o que
lhe é devido conforme suas necessidades específicas. Isso reconhece a
diversidade entre as pessoas e, consequentemente, suas distintas necessidades.
Indivíduos com necessidades semelhantes devem receber recursos e serviços
equivalentes, enquanto aqueles com necessidades mais significativas devem
receber assistência adicional para garantir justiça e equidade no contexto da
saúde.
O princípio da justiça é evidenciado na aplicação
das filas de transplante, em que não são considerados critérios de vantagem ou
desvantagem relacionados ao gênero, status econômico ou
social. Em vez disso, a prioridade é determinada exclusivamente pelo grau de
urgência médica indicado pelo diagnóstico do paciente (FERREIRA JÚNIOR, 2022).
4. Autonomia é um princípio fundamental na
ética médica, exigindo dos profissionais de saúde o respeito às decisões dos
pacientes, alinhando-se aos seus valores pessoais. No entanto, a aplicação
desse princípio pode ser intrincada, dada a variação nos níveis de capacidade
de tomada de decisão dos pacientes, que dependem de várias circunstâncias. Para
minimizar essas limitações, é crucial identificar os indivíduos vulneráveis,
que possuem autonomia limitada, e integrá-los legítima e eficazmente ao
processo de tomada de decisão. Esse passo é essencial para estabelecer uma
relação adequada com o paciente e garantir sua satisfação com o tratamento.
Para respeitar a autonomia das pessoas, duas condições são essenciais:
liberdade e informação. A pessoa deve estar livre de pressões externas para
decidir autonomamente. Portanto, é responsabilidade do profissional garantir
que o paciente compreenda completamente a proposta de tratamento. Este processo
não se encerra na primeira consulta; pelo contrário, as informações devem ser
reiteradas em todas as consultas. Além disso, é imprescindível assegurar que o
paciente tenha compreendido completamente as informações fornecidas.
Assim,
consideramos que o processo de informação, compreensão e comprometimento com o
tratamento constitui o consentimento informado, sendo fundamental para a
prática ética e respeitosa.
O exemplo
anterior sobre a descoberta da vacina da varíola destaca a exposição
significativa por parte do médico, que submeteu as crianças a um risco
considerável, cujas consequências ainda eram desconhecidas e poderiam levar à
morte. Nesse cenário, é evidente que os princípios de beneficência e não maleficência não foram
respeitados.
Cada ato ético
deve ser examinado minuciosamente, pois tem impacto sobre as pessoas, o meio
ambiente e a coletividade.
Sugestão de material complementar
Para aprofundar o assunto, você pode ler o material: Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Ele propõe responder ao final da leitura, às perguntas: “Será que minha conduta profissional está fundamentada em princípios éticos?” ou “Estou agindo da maneira mais adequada?”.
Sugestão de artigo
Para compreender a aplicabilidade dos princípios bioéticos, sugerimos a leitura do artigo: Os princípios da bioética. Logos&Culturas: Revista Acadêmica Interdisciplinar de Iniciação Científica de E. A. FERREIRA JÚNIOR.
Ele introduz o leitor ao nascimento da bioética e seus princípios fundamentais, mostrando suas aplicações e destacando os conflitos entre esses princípios.
Sugestão de capítulo de livro
Leia A bioética e suas implicações na saúde, na religião e na dignidade humana de FLUK. M. R.
Nele você encontrará um aprofundamento sobre as raízes filosóficas da bioética e também sobre os princípios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERREIRA JÚNIOR, E. A. Os princípios da Bioética. Logos&Culturas: Revista Acadêmica Interdisciplinar de Iniciação Científica. Fortaleza, v. 2, n. 2, 2022. Disponível em: https://ojs.catolicadefortaleza.edu.br/index.php/logosculturas/article/view/375/399. Acesso em: 19 out. 2023.
FIOCRUZ. Conheça a história das vacinas. 2020. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/en/noticias/1738-conheca-a-historia-das-vacinas#:~:text=Em%201789%2C%20ele%20come%C3%A7ou%20a,4%20de%20maio%20de%201796. Acesso em: 19 out. 2023.
FLUK. M. R. Bioética. In: FLUK. M. R. A bioética e suas implicações na saúde, na religião e na dignidade humana. Curitiba: InterSaberes, 2021. (Biblioteca Virtual)
JUNQUEIRA, C. R. Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Universidade Federal de São Paulo, 2011. Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_bioetica/Aula01.pdf. Acesso em: 19 out. 2023.
LOPES, J. A. Bioética: uma breve história: de Nuremberg (1947) a Belmont (1979). Rev Med Minas Gerais, 2014, v. 24, n. 2. Disponível em: https://rmmg.org/artigo/detalhes/1608. Acesso em: 19 out. 2023.
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