sábado, 22 de março de 2025

BIOÉTICA E BIOSEGURANÇA

 

Unidade 1 -AULA 4

PRINCÍPIOS BIOÉTICOS

Principialismo

O principialismo, uma das primeiras correntes na área da bioética a se consolidar, foi profundamente moldado por eventos históricos impactantes, incluindo o escândalo envolvendo a pesquisa com homens negros sifilíticos em Tuskegee. Durante quatro décadas, 400 homens negros foram privados de tratamento adequado para a sífilis, resultando na morte de pelo menos 100 deles devido às complicações da doença. A revelação desse caso pelo New York Times, em julho de 1972, levou à criação do Relatório Belmont em 1978. Este relatório, elaborado pela National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, estabeleceu três princípios fundamentais para guiar pesquisas envolvendo seres humanos: respeito pelas pessoas, beneficência e justiça (LOPES, 2014).

Outro marco importante nesse período foi a obra seminal de Beauchamp e Childress, "Principles of Biomedical Ethics" (Princípios de Ética Biomédica), inicialmente publicada em 1979 e agora em sua sétima edição.

Nesse texto, o princípio do respeito pelas pessoas foi substituído pelo princípio da autonomia, enquanto o princípio da beneficência foi dividido em beneficência e não maleficência. Assim, foram estabelecidos os seguintes princípios:

a) autonomia, enfatizando a importância da decisão do paciente;

b) beneficência e não maleficência, responsabilidades dos profissionais de saúde;

c) e justiça, especialmente distributiva, focalizada nas instituições de saúde e na sociedade ao abordar questões relacionadas à vida e à saúde dos seres humanos.

Com a publicação de Beauchamp e Childress, o "principialismo" foi consagrado como um método para a análise ética e a tomada de decisões em Bioética (LOPES, 2014).

O que caracteriza as abordagens principialistas é o reconhecimento de um conjunto mínimo de normas morais centrais, que fundamentam o julgamento ético de uma ação. Essa abordagem concentra-se nos princípios morais que orientam a ação, e as normas morais, incluindo princípios e regras, servem como diretrizes gerais para a ação, especificando quais ações são proibidas, exigidas ou permitidas em circunstâncias específicas. É fundamental observar que, no principialismo, não existe uma hierarquia predefinida entre os princípios, pois cada situação ética deve ser avaliada considerando a inter-relação desses princípios.

Princípios bioéticos

Você está familiarizado com o significado e a importância dos princípios éticos nas práticas de saúde? É importante entender que esses princípios desempenham um papel fundamental em todas as áreas da saúde, embora sua aplicação possa variar de uma cultura para outra. No entanto, os princípios utilizados em pesquisas são os mesmos aplicados na prática clínica. Tanto na pesquisa quanto na prática, os pacientes têm direitos, e os profissionais de saúde têm o dever e a responsabilidade de protegê-los e defendê-los.

Os princípios da bioética são:

1. Beneficência: significa fazer o bem e evitar o mal para o paciente e a comunidade. Agir com benevolência implica ajudar os outros a alcançar o que é bom para eles, promovendo o bem-estar e reduzindo os riscos físicos e psicológicos. Portanto, ao escolher um tratamento para um paciente, o profissional de saúde deve sempre reconhecer a dignidade do indivíduo, levando em conta todas as dimensões de sua existência: física, psicológica, social e espiritual. É fundamental oferecer ao paciente não apenas um tratamento técnico adequado, mas também considerar suas necessidades físicas, emocionais e sociais. Este enfoque holístico assegura o melhor cuidado ao paciente, promovendo tanto a eficácia técnica quanto o bem-estar global da pessoa.

2. Não maleficência: este princípio diz respeito a não causar danos aos pacientes. Após determinar as maneiras de praticar a beneficência, os profissionais de saúde devem aplicá-la aos pacientes sob seus cuidados, garantindo que nenhum dano seja infligido. Um profissional deve, primordialmente, buscar o bem-estar do seu paciente, seja para restabelecer sua saúde, prevenir complicações ou promover seu bem-estar.

Esse princípio é evidenciado ao evitar procedimentos invasivos em pacientes terminais, permitindo que eles vivam seus últimos dias da maneira que desejam, proporcionando conforto e dignidade por meio dos cuidados paliativos oferecidos (FERREIRA JÚNIOR, 2022).

3. Justiça e equidade: o princípio da justiça refere-se à equidade e ao tratamento adequado às necessidades individuais. Este princípio demanda o respeito imparcial pelo direito de cada pessoa, sendo considerado antiético qualquer decisão que prejudique um dos envolvidos, seja o profissional ou o paciente. Para aprofundar esse conceito, frequentemente integramos a ideia de equidade, que consiste em oferecer a cada pessoa o que lhe é devido conforme suas necessidades específicas. Isso reconhece a diversidade entre as pessoas e, consequentemente, suas distintas necessidades. Indivíduos com necessidades semelhantes devem receber recursos e serviços equivalentes, enquanto aqueles com necessidades mais significativas devem receber assistência adicional para garantir justiça e equidade no contexto da saúde.

O princípio da justiça é evidenciado na aplicação das filas de transplante, em que não são considerados critérios de vantagem ou desvantagem relacionados ao gênero, status econômico ou social. Em vez disso, a prioridade é determinada exclusivamente pelo grau de urgência médica indicado pelo diagnóstico do paciente (FERREIRA JÚNIOR, 2022).

4. Autonomia é um princípio fundamental na ética médica, exigindo dos profissionais de saúde o respeito às decisões dos pacientes, alinhando-se aos seus valores pessoais. No entanto, a aplicação desse princípio pode ser intrincada, dada a variação nos níveis de capacidade de tomada de decisão dos pacientes, que dependem de várias circunstâncias. Para minimizar essas limitações, é crucial identificar os indivíduos vulneráveis, que possuem autonomia limitada, e integrá-los legítima e eficazmente ao processo de tomada de decisão. Esse passo é essencial para estabelecer uma relação adequada com o paciente e garantir sua satisfação com o tratamento. Para respeitar a autonomia das pessoas, duas condições são essenciais: liberdade e informação. A pessoa deve estar livre de pressões externas para decidir autonomamente. Portanto, é responsabilidade do profissional garantir que o paciente compreenda completamente a proposta de tratamento. Este processo não se encerra na primeira consulta; pelo contrário, as informações devem ser reiteradas em todas as consultas. Além disso, é imprescindível assegurar que o paciente tenha compreendido completamente as informações fornecidas.

Assim, consideramos que o processo de informação, compreensão e comprometimento com o tratamento constitui o consentimento informado, sendo fundamental para a prática ética e respeitosa.

O exemplo anterior sobre a descoberta da vacina da varíola destaca a exposição significativa por parte do médico, que submeteu as crianças a um risco considerável, cujas consequências ainda eram desconhecidas e poderiam levar à morte. Nesse cenário, é evidente que os princípios de beneficência e não maleficência não foram respeitados.

Cada ato ético deve ser examinado minuciosamente, pois tem impacto sobre as pessoas, o meio ambiente e a coletividade.


Sugestão de material complementar

Para aprofundar o assunto, você pode ler o material: Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Ele propõe responder ao final da leitura, às perguntas: “Será que minha conduta profissional está fundamentada em princípios éticos?” ou “Estou agindo da maneira mais adequada?”.

Sugestão de artigo

Para compreender a aplicabilidade dos princípios bioéticos, sugerimos a leitura do artigo: Os princípios da bioética. Logos&Culturas: Revista Acadêmica Interdisciplinar de Iniciação Científica de E. A. FERREIRA JÚNIOR.

Ele introduz o leitor ao nascimento da bioética e seus princípios fundamentais, mostrando suas aplicações e destacando os conflitos entre esses princípios.

Sugestão de capítulo de livro

Leia A bioética e suas implicações na saúde, na religião e na dignidade humana de FLUK. M. R.

Nele você encontrará um aprofundamento sobre as raízes filosóficas da bioética e também sobre os princípios.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERREIRA JÚNIOR, E. A. Os princípios da Bioética. Logos&Culturas: Revista Acadêmica Interdisciplinar de Iniciação Científica. Fortaleza, v. 2, n. 2, 2022. Disponível em: https://ojs.catolicadefortaleza.edu.br/index.php/logosculturas/article/view/375/399. Acesso em: 19 out. 2023.

FLUK. M. R. Bioética. In: FLUK. M. R. A bioética e suas implicações na saúde, na religião e na dignidade humana. Curitiba: InterSaberes, 2021. (Biblioteca Virtual)

JUNQUEIRA, C. R. Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Universidade Federal de São Paulo, 2011. Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_bioetica/Aula01.pdf. Acesso em: 19 out. 2023.

LOPES, J. A. Bioética: uma breve história: de Nuremberg (1947) a Belmont (1979). Rev Med Minas Gerais, 2014, v. 24, n. 2. Disponível em: https://rmmg.org/artigo/detalhes/1608. Acesso em: 19 out. 2023. 

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